quinta-feira, 16 de outubro de 2014

NÃO É POR R$ 2,45

             José Roberto de Andrade
Quando vi o vídeo e a reportagem sobre o espancamento do jovem operador de máquinas Wedson Oliveira, que causou grande repercussão e revolta nas redes sociais me veio a imagem de um abuso cometido em outro país, mais especificamente em Montgomery, capital do Alabama, quando no dia 1º de dezembro de 1955, a costureira Rosa Parks se negou a levantar e ceder seu lugar no ônibus que a transportava ao trabalho. Ela não foi espancada. Foi detida e levada para a prisão, iniciando a partir daí um grande movimento por direitos civis nos Estados Unidos que teve Martin Luther King como um dos principais líderes.

Segundo o próprio Wedson o ônibus em que embarcou estava lotado, e tendo já uma mulher sido autorizada a entrar com suas crianças pela porta dos fundos, ele também entrou com as suas crianças, uma vez que sua esposa já estava entrando pela frente para pagar as passagens.

Este incidente, mais que demonstrar que o transporte público de qualidade ainda não é uma realidade e uma alternativa concreta para os congestionamentos da capital, demonstra um cenário mais cru e lamentável.

Wedson poderia ser de qualquer grupo étnico, mais coincidentemente era negro. Coincidentemente? O fato vem engrossar os números de violência cometida contra jovens negros de periferia, incluída a violência policial, motivo de várias denúncias de movimentos sociais, que ensejaram políticas públicas como o “Plano Juventude Viva” e a recente marcha nacional, também organizada no Centro da capital no dia 22 de agosto, com o título “Reaja ou será morto, reaja ou será morta”, quando mais de 50.000 pessoas se mobilizaram em todo pais.

Estatísticas oficiais registram que os homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade (53,3%) dos 49.932 mortos por homicídios em 2010 no Brasil eram jovens, dos quais 76,6% negros (pretos e pardos) e 91,3% do sexo masculino.

Foge de qualquer razoabilidade que uma passagem do sistema transcol no valor de R$ 2,45 seja o motivo de tão desproporcional brutalidade. Principalmente considerando que não houve recusa de pagamento. Esta cena poderia passar por corriqueira em um engenho do século XVI, mas estamos no século XXI, os tempos são outros e os atores sociais não podem continuar a encenar o mesmo drama.

Parece que paira sob a aparência de um contratempo cotidiano da linha do Transcol de Araças, algo muito mais sério e letal que a sociedade capixaba e o poder público precisam avaliar, debater e propor soluções, a exemplo do velho Alabama.

O momento de eleições é propício a que os candidatos aos cargos executivos e legislativos se voltem a esta realidade e apresentem propostas concretas visando combater mais esta chaga social que mancha a imagem de nossa nação.

Vitória, ES, 04.10.2014

José Roberto de Andrade é advogado da Pastoral Carcerária e Presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB/ES