sexta-feira, 20 de maio de 2011

É daí que tá minha mãe?

Cerca de 07 anos atrás, estive no presídio feminino – comumente chamado de Tucum. Naquela época, havia 190 presas para 105 vagas. Hoje, há cerca de 380 presas para 168 vagas.
Mas, não quero falar de superlotação.
Farei uso de uma crônica que escrevi quando estive lá neste ano referido, pois ainda não escrevi sobre as impressões que me causaram a visita feita agora, dia 19 de maio, como advogado da Pastoral Carcerária aqui no Espírito Santo, acompanhado pelo Pe Valdir – coordenador nacional desta instituição - e pelos defensores públicos da União e do Estado do Espírito Santo, respectivamente Dr. Nicolas e Dr. Bruno.
            Ainda estou sob o impacto daquela mãe com uma criancinha de colo, acometida por paralisia cerebral (a criança, com 01 mês de idade), cujos pezinhos são voltados para o meio como se quisessem se tocar um ao outro. Esta criancinha, por conta da paralisia, não consegue sugar o leite materno.
A mãe está presa, embora não tenha sido condenada!

Em 2004 (ou por volta deste ano) escrevi:

“É daí que tá minha mãe?”
                        Gilvan Vitorino C. S.
Desgraça é desgraça em qualquer lugar. Desgraça é desgraça alcance a quem alcançar. Há, até, níveis diferentes, mas para quem a sofre não importa.
Visitamos dia 25 de agosto a penitenciária feminina em Tucum, Cariacica - ES. São 195 detentos, 105 vagas. Há mães, filhas, esposas...mulheres. Todas com uma  particular história de vida.
Na reunião estavam o juiz da Vara de Execução Penal, o subsecretário de justiça, o diretor do estabelecimento prisional e nós, alguns estudantes do curso de Direito da FDV. Ouvimos uma boa palavra do subsecretário Tenente–coronel Hênio, uma palavra esclarecedora do recém chegado à Vara de Execuções Juiz Gedeon e a mediação do diretor Alan.
Entramos numa pequena sala, lá estavam elas. Os rostos eram de quem está ansioso, de quem sofre, de quem lamenta, de quem sente saudade. Rostos de curiosidade, rostos de arrependimento. Olhavam-nos como se fôssemos melhores do que elas, ou então, nos olhavam como se vissem pessoas que se acham melhores do que elas. De minha parte, sei que o que nos separa são as oportunidades que nos alcançaram...sei lá, no fundo o que nos separa são as grades, somente as grades.
Poderíamos classificá-las de acordo com o crime cometido. Poderíamos classificá-las de acordo com o berço do qual vieram. Têm pais diferentes, tiveram educações diferentes, encararam o mundo de forma diferente. Mas recuso este tipo de classificação, são  gente! São o que se chama pessoa humana.
Começada a reunião, o Estado inicia suas explicações. É, o Estado, cheio da sua lógica jurídica: “a lei não permite progressão para os crimes hediondos”; “depende de dotação orçamentária a execução de tal obra”; “a indisciplina impede certos benefícios”, etc. Todos argumentos certíssimos do ponto de vista lógico-formal. Nada contra a postura dos seus agentes – juiz, sub-secretário-, pois não dependia deles diretamente o atendimento dos pedidos. A cada pedido seguido de negativa, um desespero nos seus rostos.
(Crime hediondo...como se comete por aí esses tais crimes hediondos! Que pena que para ser hediondo o porte de 25 gramas de cocaína tem que ser fora de uma cobertura dos nossos mais belos edifícios!)   
Certa presidiária, aparentando uns vinte e cinco anos, nos deu um retrato do que é estar preso.  Contou dos conflitos que por vezes acontecem entre uma veterana e uma novata. Quando uma chega ao presídio e se dá conta de que a peleja só terminará quando vier o alvará de soltura, fica tensa, ansiosa, agressiva. Então, lembrei de quando trabalhava numa plataforma da Petrobrás: eram quinze dias em alto mar, longe de tudo que realmente interessava, longe dos familiares, longe dos amigos, longe. Lembro que passada a primeira noite, de imediato contava as terríveis quatorze noites ainda por vencer. O que dizer de três, quatro, oito anos?
Dentre as presidiárias na sala da reunião, havia duas com seus bebezinhos de colo, quietinhas, lá no fundo da sala. Logo logo teriam que se afastar dos seus rebentos pois a convivência com eles é temporária, por determinação legal. Pensei na dor delas que estava por aumentar. Lembrei da minha filha...
A reunião foi encerrada com a entrega do alvará de soltura de uma presidiária. Recebeu-o como se recebesse um troféu, e nós quase choramos como se chora ao receber um prêmio.
Ao entrar no prédio onde estão as celas, minha cabeça pirou: onde estou? A cada passo, uma pergunta. A cada passo, um lamento. Comoveu-me a solicitude do juiz, que a todas atendia. Comoveu-me a generosidade delas ao receber-nos dentro de suas celas, mostrando-nos seus trabalhos manuais, suas pinturas nas paredes.
Uma delas, quando já saíamos do pavilhão, chamou-me. A cela nos separava. Chorava e pedia que a ajudasse porque há muito não via sua filha, pois seu marido não permitia. Chorava compulsivamente e pedia que eu chamasse o juiz para atendê-la. Não a evitou o magistrado: atentamente coletou seus dados para socorrê-la.
Visitamos o berçário. Havia vários bebês de colo, ainda na fase de amamentação, que ficam com suas mães. Dá uma vontade de gritar, de chorar. (Não me venham falar dos crimes que cometeram. Trata-se de uma realidade que vivem justamente, em último plano, devida aos delitos...Mas, para quem insistir, que tal entrar na história de vida de cada uma delas?)
Ao meu lado estava uma simpática agente penitenciária. Trabalhava, ali, há cerca de oito meses, mas viera do presídio de segurança máxima de Contagem, em Minas Gerais. Envolvido por aquilo tudo, quis saber se já chorara alguma vez. — Não, a gente entra nisso já sabendo o que encontrar. Mas hoje eu quase chorei, confidenciou ela. — Hoje recebi um telefonema, era de uma criancinha, que perguntara: “alô, é daí que tá minha mãe?”.
Ainda segundo aquela agente, ela continuou a conversa com a criança, que desferiu um outro golpe: “é que meu irmãozinho tá doente e tá precisando dela”.
Não se é o mesmo ao deixar uma prisão, após uma visita. Para quem acredita que a dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos humanos, e para quem acredita que o detento é pessoa humana, não há como permanecer o mesmo.
            Quem sabe um dia prender uma pessoa seja considerado um suplício inaceitável como é o açoite!   

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente criticando, concordando, discordando e complementando.
Espero, ainda, sua colaboração, enviando textos diversos, segundo os temas de cada área.
Envie seu texto para gilvanvitorino@ig.com.br